segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Sobre atrasos e outras balelas

Tenho 36 anos e , invariavelmente, chego atrasada em alguns compromissos. Acho que a esta altura da minha vida isso nunca vai mudar. Sinceramente, eu não acho que isso é um problema tão grave. Conheço muitas pessoas que são pontuais, e essa característica (jamais chamarei isso de virtude) às vezes é a única contribuição delas para o seu emprego. Pois chegam no horário, mas fazem coisas alheias ao trabalho o tempo todo. Chegam no horário, mas não trabalham. Chegam no horário, mas passam a maior parte do tempo na sala do cafezinho ou falando sobre a vida alheia (os que se atrasam sempre são o alvo). Ou seja, chegam no horário E SÓ. Sou aquele tipo de pessoa que mesmo quando não vai chegar atrasada, chega. Por que acontece alguma coisa no meio do caminho (um acidente, um engarrafamento, um chuveiro queimado) que acaba me atrasando. Lógico que quando isso acontece ninguém acredita. O mais comum é eu me atrasar por que, DE BOINHA, eu odeio acordar cedo. Eu não vejo sentido nisso, assim como não vejo muito sentido na vida em geral. E quando eu sou OBRIGADA a acordar cedo, aí sim que eu tenho menos vontade ainda de acordar. Às vezes nem é o acordar o problema, o problema é sair da cama "pra viver". Por que o que a gente (eu) tem não é vida, não. A menos que você faça algo que REALMENTE AMA (mais do que tudo, mais do que sua família, mais do que sua casa, mais do que seus animais de estimação) não temos muitos motivos para "sair pra viver". Eu há muito tempo só "sobrevivo". Eu queria poder passar o tempo todo dentro da minha casa, e não por que eu odeie pessoas, mas não sinto falta. Normalmente fico mais feliz quando estou em casa mesmo. Um amigo meu morreu há alguns anos enquanto ia apressado para o trabalho, num acidente de carro. Soubemos disso, primeiro, por que quando a notícia do acidente que causou sua morte saiu no jornal vimos, pelo horário, que ele estava indo para lá. Depois se confirmou que ele teria reunião naquele dia. Uma reunião de equipe que tinha sempre, antes de começar o turno. Uma reunião de equipe que não tinha a menor necessidade de acontecer todos os dias. Uma reunião de equipe que matou ele. Ele tinha vinte e poucos anos, era casado e tinha dois filhos pequenos - um deles de pouco meses. Fico imaginando os motivos que o atrasaram naquele dia: talvez tivesse dado uma ajuda pra esposa dele (tão jovem quanto ele) com o almoço das crianças. Talvez tenha colocado o menor para dormir. Talvez tenha ido levar o maiorzinho na creche e deva ter se perdido em um abraço mais apertado, num beijo de despedida. Talvez a correria do dia a dia não tenha permitido que ele fizesse tudo isso, por que precisava chegar na hora pra não perder o emprego e poder dar o melhor pra sua família. Nessas horas eu me pergunto o que é um atraso perto da vida de uma pessoa, e principalmente da vida daqueles que ficam sem quem amam. Pois bem, ele estava atrasado pro trabalho, acelerou demais, bateu em um poste, os fios de alta tensão caíram na pista e ele, desorientado, desceu (ao invés de esperar ajuda dentro do carro). Morreu eletrocutado. Penso agora nas pessoas no trabalho dele, antes de saberem do acontecido, o que não deviam estar falando sobre ele: "brincadeira, nunca chega na hora", "fulano tem sempre uma desculpa pros atrasos", "aposto que vai dizer que deu um problema com um dos filhos", etc etc etc. Imagino o remorso que não sentiram depois ao saber que ele perdeu a vida por que não queria decepcionar essas pessoas com um atraso de 10, 15, 20, 30 minutos que não ia alterar EM NADA o que ele tinha que fazer naquele dia, pois daria conta, fosse o horário que fosse o da sua chegada. Penso nessas coisas e vejo a merda de vida que levamos. Penso a merda de pessoas que somos. Às vezes eu acordo e tenho dois gatos fofos na minha cama e eu fico ali alisando eles, pegando aquela energia boa de bichos sem nenhuma preocupação na vida além de comer e dormir, pegando forças pra me levantar da cama. Só eu sei o quanto me pesa. Não vou me privar desses minutos de sossego antes de sair de casa por que eu vou perder o Ônibus para vir pra um lugar onde se eu me atrasar 2h não vai fazer diferença nenhuma pra o que eu tenho que fazer. Não vou sair de casa sem tomar meu café por que resolvi dizer a mim mesma a famosa frase "só mais cinco minutinhos". Não vou sair de casa sem tomar banho, isso não tem a menor chance de acontecer. Às vezes eu não deveria nem sair de casa, acho que todos devíamos ter esse direito. Tem dias que eu seria mais útil pra mim e pra sociedade se eu ficasse reclusa, pois o mundo não precisa de mais pessoas estressadas e irritadas andando por aí. Tem dias que eu só quero sumir e não olhar pra cara de ninguém , muito menos ser obrigada a falar. Dar bom dia quando o que eu mais quero é mandar à merda. Esse mundinho hipócrita me enoja. Talvez eu seja mal vista pra sempre por causa disso. Talvez eu esteja errada e o certo seja ser assim igual robô. Mas eu não quero ser robô, não. Desculpa, mas aqui tem uma pessoa. Uma pessoa que não se encaixa nesse mundo das 8h às 18h de segunda à sexta, mas ainda uma pessoa. Talvez mais pessoa do que muitas que eu vejo andando por aí. Talvez ser desse jeito seja o último rasgo de rebeldia que me coube. E é tarde demais pra eu mudar isso. Nem quero.

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